"A História correcta está por fazer"

1962. O tenente-general Joaquim Chito Rodrigues, hoje Presidente da Liga dos Combatentes, foi mobilizado para Angola um ano após o início do conflito. Esteve 21 meses nos Dembos, em pleno centro da guerra, e fez duas comissões em Angola.
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A guerra colonial foi violenta.

Em Angola, começou violentamente pela nossa parte a 15 de Março de 1961. Recordo-me da forma como a população portuguesa - não foi o Governo - reagiu por cá. Aquela frase do Salazar - "para Angola já e em força" - foi a resposta ao que as pessoas sentiam. Depois, o resto, são 13 anos em que o vector militar garantiu condições para que a solução política fosse encontrada - e não foi. Em termos militares, conseguimos sustentar uma guerra prolongada no tempo e em várias frentes, que exigia muitos efectivos,mesmo sendo de baixa intensidade.

Não ganhou mais intensidade no tempo de Marcelo Caetano para se obter uma pacificação pela força?

Foi igual! A guerra continuou com as mesmas características! O que mudou foi atribuição orçamental para o esforço da Defesa, que foi diminuindo à medida que passava o tempo. A população onde se ia recrutar foi-se cansando - não foram só os militares que se cansaram com duas, três e quatro comissões - porque começou a recrutar-se gente que estava com a família formada e a instalar-se na vida.

Os militares também eram a favor de uma solução política?

Embora essa conversa surgisse por vezes, a instrução militar rege-se por normas que fogem à percepção até do próprio poder político. As forças armadas recebem uma missão e cumprem o que lhes é atribuído, embora possam discutir internamente, comentar e criticar.

Como era a relação dos militares portugueses com as populações?

Há diferenças entre Angola, Guiné e Moçambique. Nesta última, a guerra passou-se no norte e Lourenço Marques nunca sentiu o conflito. Para a população, houve sempre uma certa indiferença entre o que se passava no norte de Moçambique e em Moçambique como um todo. Em Angola já não foi assim; o problema foi grave logo de início em todo o norte de Angola. Depois passou para o leste, e só no centro e sul de Angola é que não sentiram o que foi a guerra. A população de Angola viveu e apoiou as forças armadas porque a fizemos com uma característica da guerra subversiva, que é a luta entre o gato e o rato. Procurámos conquistar as populações e o inimigo, e só por acaso fazer guerra a quem atacava essas populações e nos atacava.

E a defesa dos brancos?

Os brancos eram uma ínfima parte. Basta ver que o número dos efectivos militares em Angola, no final, eram 43% de recrutamento local. As populações, hoje em dia, se se lembrarem do que era a sua vida antes e depois da guerra, hão-de concluir que foi um bom período, porque as forças armadas conseguiram circunscrever a guerra em determinados espaços. Nunca houve um ataque a Luanda, foi sempre na mata, e as populações viram-se salvaguardadas e defendidas pelas forças armadas.

As forças armadas tinham meios suficientes?

Embora fossem guerras da mesma tipologia, subversiva, a guerra em África tem três frentes diferentes. A organização da guerra em Angola foi de forma a garantir uma reacção e uma resposta plausível às necessidades com os meios disponíveis. Se o chamado inimigo mantivesse as ajudas externas que teve durante 13 anos de guerra, tínhamos meios necessários e suficientes para conter a guerra em Angola e levá-la a bom termo. Em 1974 não havia qualquer problema militar em Angola, era mais de segurança do que de defesa.

A forma como essa guerra ficou para a História é justa ou injusta?

Tenho para mim que a História correcta está por fazer. Só se fará dentro de algum tempo, até porque a nível político, quer com Marcelo Caetano quer com Salazar, não houve guerra em África, mas acções policiais. E essa posição tem consequências graves para aqueles que sofreram a guerra.

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